Ela gostava de desenhar, era comum, suas unhas sempre estavam sem cor nenhuma e com o couro do canto do polegar arrancado, o que na maioria das vezes fazia o mesmo sangrar, ficava bem de laranja (francamente, quem fica bem de laranja? ) ou seja ela não era perceptível.
Ele? Ah, ele era o tipo que não tinha tipo, sabe? Quer dizer, sabia-se que ele gostava de computadores, era goleiro do time de pólo aquático (lê-se totalmente desvalorizado de condição física) e tocava bateria imaginária enquanto ouvia uma música que o empolgava.
Os pais dela eram um casal normal, que vivia uma vida normal, com empregos normais e que tinham, por sinal, tinham mais além de normalidade em comum, os dois tinham a mesma palavra favorita, adivinhem qual? Não, não a palavra não é ‘normal’.
Os pais dele? O pai morava em outra cidade, tinha outra família por lá, mas sempre ligava nas datas necessárias e nunca esquecia de mandar algo inútil no natal e no aniversário do tal rapaz. A mãe? Ah, ela trabalha, trabalhava demais, tinha 2 empregos. Trabalhava tanto que pra ele, o tal rapaz, ela era apenas um vulto branco que passava na sua porta às 5 da matina gritando para que ele acordasse.
Ela contava nos dedos de uma única mão os caras com quem já havia ficado, amou cada um deles, mas sua normalidade incomodava os galantes pretendentes, chamavam-na de ‘sem sal’.
Ele? Jamais havia beijado uma garota, mas para não pagar de idiota, mentia e falava que coleira incomodava.
Resposta da pergunta inicial: nada. A não ser o fato do gostarem de atum.
Num dia de chuva, porque nem toda estória começa com um belo dia de sol , o tal rapaz e a tal moça continuavam vivendo a suas vidinhas.
Ela? Além de ter acordado tarde para escola, adormeceu e perdeu o ponto, quando acordou, já eram mais de 9 e meia e o cobrador gritava algo como “ Ei, moça, acorda!”. Ela fez o que qualquer cristão em sã consciência faria, xingou mentalmente o despertador, a mãe, o cobrador e por fim a si mesma. Desceu ali, nunca tinha ido praquelas bandas. Como chovia ela correu pro lugar mais próximo, entrou, percebeu que algo ali cheirava bem, colocou a mão no bolso, é ela tinha alguns trocados pro “lanche” da escola.
Ele corria do ponto de ônibus até uma lanchonete muquefinha do outro lado da rua, sempre comia lá, tinha desconto, sua mãe era garçonete lá após as 19 horas da noite. Mas era hora do almoço. Entrou rapidamente, estava lotado e ele encharcado. Comprou o de sempre, sanduíche de atum. Comeu ali, no balcão mesmo, ele era ‘ de casa’.
Ela já havia tomado café e agora lia o cardápio para almoçar, pediu um sanduíche de atum, tinha aprendido a gostar de atum com o seu gato, seu nome era Boris, ele era gordo, gostava de atum.
Ele terminou de comer e ficou conversando com uma das mulheres descabeladas e mal vestidas que ficavam atrás do balcão.
Ela terminou de comer, correu até o balcão, interrompeu, mas de uma forma educada, a conversa do rapaz e da tal mulher, entregou uma nota de 5, sorrindo. Mas o sorriso não durou muito, o 'lanche da escola' tinha dado 6 reais. É ela nunca foi boa em matemática.
Ela sorriu e disse algo como: “pendura na minha conta”. Por quê? E eu que sei, talvez ele tivesse acordado de bom humor hoje. Ou talvez tenha reparado nos olhos cheios de lágrimas da garota. Não, ele não era idiota, mas sabia que uma garota que estudava numa escola particular de renome não andaria por aí tentando tirar dinheiro de velhinhos ou de pessoas inocentes.
Ela fez algo repentino. Arrependeu-se, claro. Afinal, abraçar um desconhecido não é algo muito comum. Após perceber, recuou, pediu desculpas.
Ele apenas sorriu e disse algo do tipo: “Não precisa se desculpar, eu aceito um obrigado.”
“Obrigada”- Foi o que ela disse.
Resultado? Dois filhos e um casamento feliz. É o amor surge nas pequenas coisas.
Disse? Tá dito.